Queridos colegas e amigos,

Eu queria começar contando uma história. Uma vez perguntaram para a Luiza Trajano, a fundadora da rede de lojas Magazine Luiza, porque ela tinha o hábito de fazer visitas surpresa em todos os setores da empresa e de conversar com colaboradores de diferentes níveis de responsabilidade – do pessoal da faxina à diretoria. Ela respondeu: ‘os problemas mais importantes raramente batem à minha porta, então eu saio à procura deles’.

Luiza Trajano construiu um império e este ano foi escolhida pela revista Time como uma das pessoas mais influentes do mundo. Ela é uma liderança inspiradora para todas as mulheres e, eu acredito, para os homens também. 

Mulheres têm boa escuta. Durante tanto tempo fomos impedidas de falar que aprendemos a ouvir. Estamos habituadas a desafiar o impossível. No passado, quando negociamos com maridos e chefes a nossa entrada no mercado de trabalho, tivemos de fazer promessas tanto em casa quanto na empresa. Dissemos aos maridos e filhos: ‘vocês nem vão perceber que eu trabalho fora’. Garantimos ao chefe: ‘você nem vai perceber que eu tenho marido, filhos e uma casa para cuidar’. Nos desdobramos em rotinas duplas ou triplas. Aprendemos a fazer malabarismos, equilibrando diferentes pratos ao mesmo tempo. Versatilidade, flexibilidade, rapidez e jogo de cintura são competências que fomos obrigadas a desenvolver. Competências que são preciosíssimas numa época fluida e mutante como a nossa.

Fui a primeira mulher a dirigir o Sincep e a Acembra. Preciso confessar que não foi fácil, mas tenho certeza de que também não deve ter sido fácil para muitos de vocês. É natural que seja assim. A inovação é quase sempre difícil porque nos empurra para fora da nossa zona de conforto. Cresci muito com essa experiência, saio dela mais forte e ainda mais consciente dos desafios que temos pela frente. Aprendi na prática que mais do que buscar consensos é preciso construir convergências. Não se trata de convencer quem quer que seja a pensar diferente, mas sim de negociar as diferenças numa direção construtiva e coletiva. Toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues. É com esse espírito que agradeço a vocês por todos os momentos compartilhados juntos.

Colocar o Sincep e a Acembra ao lado das instituições que trabalham para transformar velhos modelos – e isso num mundo cada vez mais dinâmico – foi para mim quase que uma meta. Esse sempre foi o foco, a linha mestra da minha gestão, numa visão disruptiva mas também holística aplicada a todas as dimensões do nosso negócio.

Não acredito em inovação como uma dinâmica intelectual ou de pesquisa. Ela é algo que merece uma abordagem pragmática, estética, intuitiva. Não faz sentido investir em inovação se isso for feito apenas para valorizar o ego de quem a inventa ou para inscrever uma empresa naquilo que está na moda. Inovar só interessa se tiver utilidade, se fizer avançar o mundo. 

Nesses quatro anos do nosso trabalho conjunto tratamos de mapear os tais problemas que não batem à nossa porta, mas que estão ali, se infiltrando, basta saber unir os pontos para encontrá-los. Qual futuro poderemos construir como setor numa época que nos traz novos concorrentes – por exemplo técnicas inovadoras para os cuidados com o corpo, como a compostagem humana? Como falar de morte num tempo que busca caminhos para a eternidade ou para o prolongamento da vida ao máximo?

 A pandemia provocada pelo Covid 19 provocou mais de 600 mil mortes no Brasil. Uma tragédia que nos diz respeito diretamente, que lotou nossos cemitérios e crematórios dia e noite trazendo consigo inúmeros desafios. Não vou me estender em contar essa história porque vocês a conhecem tão bem quanto eu. Acho que estivemos à altura da imensa tarefa. Precisamos ter consciência disso e entender que esse trauma pelo qual o mundo passou – e o Brasil especialmente – é uma oportunidade para a transformação das mentalidades em relação ao fim da vida. A morte, esse tabu que procuramos esconder nos subsolos, invadiu nossos dias, ganhou a cena. Só a experiência nos transforma, a teoria apenas nos provoca. O pós pandemia oferece condições para ampliarmos a comunicação e o relacionamento com os nossos clientes. Tenho certeza de que esse momento tão difícil nos permitiu aprender com os nossos erros e acertos e que vai permitir que nos organizemos para que em epidemias futuras – que, hoje sabemos, são inevitáveis – a gente possa ser ainda mais rápidos e assertivos.

Hoje, já pertinho da linha de chegada, posso dizer que entrego o comando do Sincep e da Acembra para o Cláudio deixando a casa arrumada, os números financeiros na cor azul, bem redondos, uma equipe renovada que, apesar de pequena, é um exemplo de diversidade. Temos a maioria de mulheres (4) e dois colaboradores negros. 

Me sinto muito satisfeita.

E acima de tudo muito honrada pela trajetória.

Quero agradecer a vocês pela parceria nos últimos quatro anos. Foi uma honra.